quinta-feira, 17 de setembro de 2009

O Caso TVI, a Impacialidade e o Jornalismo

Comecemos com uma confissão. Raramente via o Jornal de 6ª Feira e quando o vi não gostava do estilo.
Com isto em mente, duas coisas. Uma, os factos são uma coisa, o estilo é outra.
Os factos, que desagradarão a muitos não foram desmentidos e foram aproveitados por alguns outros órgãos de comunicação, de onde alguns jornalistas, hoje, dizem cobras e lagartos do telejornal e acusam-no de não ser jornalismo. Num Expresso da Meia-noite há algumas semanas vi e ouvi com atenção o repúdio de João Marcelino ao estilo e forma do Jornal de 6ª Feira. Esquecemo-nos que este senhor foi director do Correio da Manhã? Que não comentendo os excessos de estilo do Jornal de 6ª, não será o melhor exemplo do jornalismo que Marcelino hoje evoca? Haverá, concerteza, uma diferença, mas ela para mim é ténue, porque se abomino, ainda que aceite, a parcialidade de Moura Guedes, abomino igualmente as notícias de faca e alguidar, e o sensacionalismo, do CM. A verdade é que o adágio é real, só vê, ou lê, quem quer.
Está na moda atacar o jornalismo daquele jornal como obsceno, parece-me no entanto que os que riem com John Stewart e com o programa dos Gato, fazem-no porque encaram estes dois últimos como somente um programa de humor.
Em relação ao Daily Show já li o suficiente para saber que é mais do que isso. Tem maior audiência, nos EUA, do que muitos telejornais, e muitos dos que o vêem não acedem a outro tipo de informação (depois deixo aqui o nome do livro com estas informações. De cor, não sei!). Por falar em EUA, a realidade é diferente da nossa. Somos convencidos que o jornalismo em Portugal é imparcial (vejam as entrevistas a Sócrates, tanto as da RTP como as da SIC), mas o que vejo é medo de ir um pouco mais além nas questões e uma certa condescendência ao poder político, qualquer que ele seja.
O programa dos Gato parece-me ser "somente" um programa de humor. Claro que um programa de humor pode não ser somente um programa de humor, ainda para mais quando feito por este quarteto de grande sucesso em Portugal. Ontem, achei que o programa foi quase um tempo de antena do PS, tamanho foi o ataque (quase toda a primeira parte) ao PSD. Podem dizer que o programa anterior tinha sido idêntico em relação ao PS. Talvez, mas achei o de ontem mais mordaz, mas condescendo. O facto de ser líder nas audiências televisivas (acrescente-se aqueles que o vêem pela net) terá, na minha óptica, um maior peso na decisão de parte do eleitorado (penso no mais jovem) do que os dez debates entre os líderes partidários.
Voltando um pouco atrás, a verdade é que em Portugal não temos, desde há algum tempo, grandes tradições de órgãos de comunicação mais incisivos, mordazes e agressivos. Não será à toa que uma das "notícias" do primeiro Inimigo Público tenha feito carreira como notícia real, durante algum tempo. Mas lá fora há alguma tradição. O El Pais tem, agora menos, uma ligação ao PSOE, a Fox News é, claramente, uma estação de direita e os ataques ao Presidente Obama são frequentes. Dizem-me que há outros programas semelhantes ao estilo de Moura Guedes aqui e acolá.
Penso, então, que o problema será de tradição, mas também de estilo, e refiro-me agora ao de Sócrates. Explico, deambulando. Continuo a achar que o Governo de Santana não foi assim tão mau. Falharam essencialmente duas coisas, a falta de mão nos ministros e na boca destes e uma defesa capaz dos ataques da imprensa.
Deixem-me aflorar este segundo aspecto em primeiro lugar. A imprensa, ou os órgãos de comunicação social, para ser mais ambrangente, fizeram grande parte do trabalho da oposição no tempo de Santana. Terá havido casos muito mais graves como o "jamais", um dos ministros deste Governo fazer avaliações brejeiras sobre o que faria com Carla Bruni, entre outros? Acredito que sim, mas muitos dos casos que fizeram páginas nos jornais eram menos graves de outros que pudemos assistir nestes 4 anos e meio
.
Parece-me que a estratégia de Sócrates foi virar o bico ao prego. Sócrates foi inteligente o suficiente para ver as falhas do Governo anterior e tentar alterá-las. Penso que a inteligência rapidamente se transformou em excesso, e se em alguns momentos preferiu não falar, noutros preferiu atacar veemente o que achava a despropósito; noutros casos manteve o Ministro, mostrando, como Santana não mostrou, quem mandava, noutros defendeu até à exaustão as atitudes e opções ministeriais, para agora, como no caso da educação, fazer de Maria Madalena e dizer que errou. Mais vale tarde que nunca, mas esta mudança de atitude parece-me demasiado oportuna.
Sócrates dizia a Araújo Pereira que entendia o cargo de Primeiro Ministro como uma missão, o apóstolo do PS esquece-se é que por vezes pode e deve falar com alguns dos actores envolvidos. E Sócrates, e os seus ministros, recusaram-se muitas vezes, ainda ontem ou anteontem, a falar com sindicatos, apelidando-os muitas vezes de estarem a ser usados por outros partidos, nomeadamente o Comunista.
Sócrates tentou dominar a comunicação e o que nela era dito e fê-lo quase com KO técnico, o que no caso TVI tem de ter um preço. Será normal que um jornal líder de audiências seja cancelado pela administração. Teorias da Conspiração há muitas e não quero entrar nelas, mas os discursos, ataques de Sócrates tiveram o preço de ser trazido para dentro deste imbróglio.
Em último lugar, gostava de perceber o que é a imparcialidade no jornalismo. O que se entende por tal? Há diferentes tipos de jornalismo? Nuns é lícito maior ou menor parcialidade?
Tenho para mim que o problema aqui é político. Nós não nos importamos com a imparcialidade, importamo-nos com a dita imparcialidade no jornalismo que trata da política.
Observem as primeiras páginas dos jornais desportivos. Parciais ou imparciais?
O Porto ganha no Sábado e as grandes notícias são o Benfica? O Porto ou outra equipa nacional ganha um jogo importante, cá ou na Europa, e a grande notícia é o Benfica? A lesão de um jogador, uma entrevista a um dos jogadores em destaque ou o suposto interesse do Benfica num jogador?
Parcialidade? Preocupamo-nos com isto? Não...é somente futebol. Mas, não é, também, jornalismo? Eu sei que se trata de política de vendas e o Benfica vende mais do que todos os outros, mas... porque é que não nos preocupamos com a parcialidade nestes casos?
Não quero fazer uma defesa de Manuela Moura Guedes, nem serei a melhor pessoa para o fazer, mas penso que jornais como o dela são importantes, como o Independente o foi, ainda que com menor permeabilidade de audiências. Aqueles que o acusam disto e daquilo podiam e deveriam tentar responder às questões que ficam, aos assuntos aflorados e, se necessário, fazer debates sobre o estilo. O jornalista pode, acrescento deve, ter um estilo próprio. Não tem Crespo, na SIC Notícias, um estilo próprio? Não têm os piscar de olhos e comentários (de, por exemplo, José Rodrigues dos Santos) malandrinhos uma boa dose de imparcialidade e personalidade do jornalista?
Penso que a TVI nos habituou a dar ao povo o que ele queria, mais do que ele necessitava, mas os outros órgãos de comunicação ficaram demasiado apáticos e condescendentes com o poder político vigente. Por outro lado, os proclamados jornalistas de qualidade terão uma missão de o praticar e ensinar as audiências a filtrar o que é bom do que é pernicioso. Essa será a sua missão, não a do Governo ou a de alguma administração.

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