quinta-feira, 22 de outubro de 2009

E se?...

O velho inspirou olhando o mar e sentindo o vento que moldava as águas a seu bel prazer.
Sentado na areia, enregelado, sentia os dedos da mulher na sua cara. Ele nunca tivera medo da morte, do fim, do nada. Agora e ali, sentia que ela chorava interiormente, antecipadamente, o seu fim.
Olhou para ela, as linhas do rosto tornaram-se mais visíveis e sorriu, pateticamente.
Levantaram-se, ele a custo, ela mais rapidamente, sempre são vinte e cinco anos de diferença.
Chegado a casa, olha para o computador que lhe serve de ferramenta de trabalho, para os livros que compõem o seu escritória, deita para fora um último fôlego e cai morto.
De súbito demasiadas coisas acontecem. The end is not the end, como Nick Cave o cantou, sem que o velho tivesse ouvido aquela música. Se a tivesse ouvido tinha rido daquela lenga-lenga. Mas se o corpo jaz na sala, enquanto a mulher toma um duche, a alma continua viva.
De repente um fulgor atinge-o. A ele? como é possível se está morto...?!
Vê Deus, sem o ver. Quase cego, pela santidade, ajoelha-se, toma consciência da sua pequenez, o ateu acredita e treme.
Não ousaria levantar os olhos, se os tivesse. Está consciente do que é, do que foi, do que fez.
Uma voz como de trovão chama-o pelo nome, pelo que de mais íntimo forma o seu ser. Ouve/vê/sente os seus actos passados. Sente-se perdido. Continua a não perceber Deus, mas compreende que Ele existe. Já não deus, mas DEUS.
Perante o Santo dos Santos compreende que não há salvação possível. Ao lado direito de Deus uma figura humana, com ar duro. Olha para ele, mansamente, só poderias ser salvo por meio de mim.
Como? Como poderia eu acreditar?
O Cordeiro olha para outros ali, eles acreditaram.
Mas eu, eu...
Tu escolheste recusar, acusar, ridicularizar. Escolheste outra crença. Mesmo tendo tido acesso à Palavra. Escolheste.
Não consegue arranjar desculpas. O fulgor e o sentimento de pecado são tão fortes que o impelem a baixar os olhos e ficar calado.
De um momento para o outro encontra-se longe de Deus, sofrendo agruras inconcebíveis até há algum tempo.
O fim está ainda no início.
O fim demora a eternidade.

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